O TOSÃO DE OURO

Mundo maravilhoso, era a Hélade, o alegre canto de seus regatos o farfalhar de suas árvores, o frescor de seus bosques, onde ecoavam, para quem soubesse entendê-los, os risos das Ninfas. As cristas verde-azuis das Oceanias apareciam por entre o brilho das ressacas; nos montes, tinham assento os deuses imortais, poderosos dirigentes do Universo. E, freqüentemente, os senhores do céu ou as invisíveis criaturas do mar e da terra, misturavam-se aos homens, participando de sua vida, realizando prodígios ou evocando monstros fabulosos. Um aríete de velocino (tosão) de ouro, cintilante ao sol, qual uma enorme jóia, voa sobre a imensidão do mar, que daquelas alturas, parece confundir-se vertiginosamente com o céu. Traz. ele, na garupa, dois meninos, Frixo e Hele, filhos do rei Atamante e de Néfele, a deusa das nuvens. A mãe enviou-lhes o prodigioso animal, a fim de que os leve para um país distante, onde as perseguições de uma mulher perversa nunca possa alcança-los. Mas infelizmente, apena Frixo chegou a seu destino, porque Hele, vencida pela vertigem das alturas, precipitou-se nas águas do Egeu. O divino aríete chega às remotas costas da Colchídea, sob a cordilheira do Cáucaso; lá, Frixo encontra abrigo e imola aos deuses o precioso animal, cujo velocino, pendurado a uma árvore, é posto sob a guarda de um enorme e feroz dragão.

Muitos anos depois dos fatos que acabamos de narrar, e que são apenas o prólogo de nossas vicissitudes, um jovem pastor, de aspecto agradável e nobre, entrava na cidade de Iolco, na Tess´slia. Apesar de seu pobre traje, ele era o filho do senhor daquela cidade, detronizado muito tempo antes, pelo irmão, criado as ocultas entre as pastagens do Monte Pélion, o jovem Jasão (tal era o nome do estranho pastor) vinha agora à terra de seu pai, a fim de reivindicar seus próprios direitos. Mas, embrenhando-se pelas ruas da cidade, viu-se alvo de extraordinária agitação por parte dos transeuntes. "O homem de uma só sandália! O homem do Oráculo!", gritavam de todos os lados. Realmente, o usurpador Pélio ouvira o Oráculo de Delfos dizer que ele seria deposto, por sua vez, por um homem de uma só sandália, e Jasão, ao atravessar um rio, perdera, realmente, uma sandália e caminhava com um pé descalço.

Prevenido de sua chegada, Pélio mandou chamá-lo e perguntou-lhe bruscamente:
-Que faria você  se o homem destinado a matá-lo caísse me suas mãos?
-Eu o mandaria  à conquista do velocino de ouro, respondeu Jasão.
-Muito bem - disse Pélio, satisfeito, pois sabia que a tarefa era perigosíssima - então, pode preparar-se para partir. Jasão, ávido de aventuras, sentiu-se feliz. Reuniu em torno de si os maiores heróis da Hélade- Hércules, o divino cantor Orfeu, Linceu, de olhar agudíssimo, Teseu, os dois filhos do vento Bóreas, os divinos  gêmeos Castor e Pólux, e passou a construir um navio, com os abetos do Pélion, e lançou-o ao mar; ao barco , o mais lindo  que jamais  se tinha visto, ele deu o nome de Árgus, em homenagem ao seu idealizador. Zarpando de Iolco, com  vento propício, o navio, carregado de Heróis, velejou rumo à Colchídea, onde chegou após muitas peripécias. E, ali, os Argonautas (assim ficaram sendo chamados os aventurosos Heróis) encontraram um auxílio valioso e inesperado de parte da filha do rei, Medéia, habilíssima fada.

Com poucas palavras, de incompreensível significado, a moça conseguiu adormecer o dragão que vigiava o precioso velocino de ouro: pronto, Jasão apanhou a preciosa pele, truncou com um golpe de espada a cabeça do dragão e fugiu para seu barco, com a belíssima Medéia, que ele pretendia  desposar. A viagem de volta, sob o céu límpido do Mediterrâneo, foi rápida e tranquila: Pélio, quando viu surgir, no horizonte, a vela branca do Argus, fugiu  às pressas, furioso, e abandonou Iolco e o trono , que foi parar às mãos de seu legítimo herdeiro, o glorioso sobrinho