HÉRCULES

Ouviu-se um enorme alarido, gritos altíssimos, um veloz tropel de passos apressados, baques de portas batidas, tudo quebrando subitamente o sossêgo e o silêncio que reinavam no Palácio Real de Tebas. Rostos ansiosos surgiram às janelas e aias acorriam, aflitas, com os olhos esbugalhados de pavor.-Que aconteceu? Os inimigos penetraram a cidade? O Paço pegou fogo? O tumulto prorrompera justamente nos aposentos da rainha Alcmena, onde dormia o pequeno Hércules, o filho que nascera poucos dias antes. Célebre, a notícia correu por toda a Côrte. A ama, ao entrar no quarto do menino, para amamentá-lo, encontra-o sentado no berço, com os punhos fechados em redor do pescoço de duas cobras enormes, que ele havia estrangulado silenciosamente. O que aconteceria com aquele menino , quando crescesse, pois já era capaz de tais proezas? Um herói, certamente, e um herói bem, temível, se sua força crescesse na proporção da idade. Realmente, depois dessa sua formidável estreia, Hércules continuou a assombrar amigos e preceptores: comia por vinte homens, bebia feito um odre, arrancava árvores somente para brincar, lutava virtuosamente com touros e leões. O sábio centauro Quiron ensinou-lhe a arte da caça e a manejar a lança e o arco; Lino, um velho filósofo, tornava-o ao mesmo tempo hábil na retórica, na poesia e na música . Todavia, quanto mais Quiron se orgulhava de seu aluno tanto mais Lino o considerava faco e apático de maneira que censuras e punições choviam sobre o discípulo. O rapaz, já dera  mostras bem cedo , era de temperamento impulsivo. Aconteceu, então, que , um dia , após  a milésima repreensão do mestre, ele sentiu o sangue subir nas veias, apanhou a cítara e deu com ela na cabeça do desaventurado filósofo. Sob o tremendo golpe, Lino tombou ao chão , sem um gemido, morto.

A mágoa de Hérculesfoi imensa. Não sabendo como espiar seu crime  involuntário, foi a Delfos , consultar  o oráculo de Apolo. Este, porém, foi explicito. Hércules devia ir servir seu meio irmão Euristeu, rei de Micenas, e obedecer-lhe cegamente. Euisteu era, ao contrário de Hércules, débil, medroso , maligno. Quando  se encontrou diante do gigantesco irmão , tremeu de pavor, supondo-o um provável concorrente ao trono. Resolveu portanto, desembaraçar-se dele, confiando-lhe tarefas tão difíceis que o exporiam a morte certa . Tais tarefas foram denominadas "Os 12 Trabalhos de Hércules". A primeira coisa que lhe ordenou foi trazer-lhe a pele do "Leão de Neméia" , uma fera que assolava as montanhas da Argólida. Hércules ouvi as ordens e retirou-se. Dois dias depois, reapareceu , sujo de sangue e poeira, e atirou aos pés do rei a enorme juba dourada. Mas Euristeu já planejara outra tarefa: matar a Hidra de Lerna, um monstro de sete cabeças que vomitava veneno. Hércules descobriu-o nos pântanos em que vivia, conseguiu decepar-lhe as cabeças, que tornavam a crescer assim que eram cortadas e abateu-o definitivamente. Antes de retirar-se, porém, embebeu suas flechas no sangue da Hidra, tornando-as assim, venenosíssimas. Regressando a Micenas, o herói precisou partir quase logo para o país das Amazonas, as terríveis mulheres guerreiras. Competia-lhe arrancar o cinto de ouro da rainha Hipólita e entrega-lo a Eristeu. Desta vez , sua tarefa foi muito dura, porque a resistência imposta pelas Amazonas foi tenacíssima, mas , finalmente, a clava de Hércules derrubou todos os obstáculos. Depois deste trabalho , o filho de Alcmena teve que capturar o gigantesco javali Erimanto e, a seguir,  matar um touro selvagem, que devastava as montanhas de Creta, e, também alcançar, na corrida , a "corça de pés de ouro", Cerinítica; liquidar com os pássaros do lago Estinfale, de bicos de aço, e apoderar-se dos bois do gigante Gerinte. Euristeu já estava perdendo a esperança de desembaraçar-se do incômodo servidor, mas impôs-lhe, ainda a obrigação de limpar as estrebarias de Áugias, rei da Élida, que estavam transbordando de estrume. Hércules desviou o curso  do rio Alfeu, que corria nas proximidades, fazendo com que as águas levassem consigo todo o esterco. O rei ordenou-lhe, outrossim, a captura das éguas antropófagas de Diómedes, e levando-as á presença do irmão,  completamente domadas. Em, seguida, Euristeu mandou-o  ao Jardim das Hespérides, em busca dos pomos de ouro que ali cresciam. Nessa tarefa, Hércules somente triunfou após enganar o gigante Atlas, que desejava ludibriá-lo. Finalmente, farto de vê-lo regressar sempre vitorioso, Euristeu impôs ao herói, com
último trabalho, que lhe trouxesse Cérbero o medonho cão de três cabeças, que guardava a entrada do Inferno. Algumas semanas depois, o filho de Alcmena reapareceu em Micenas, arrastando consigo o monstro , preso á corrente e uivando de raiva . O prazo imposto pelo oráculo estava terminado. Além desses 12 trabalhos, Hércules praticou outras façanhas. Estrangulou nos braços  o gigante Anteu, filho da Terra ; exterminou o bandido Caco: livrou Hesíone do monstro que ia devorar, separou os montes Calpe e Abila (chamados depois " colunas de Hércules) libertou Prometeu, acorrentado no Cáucaso, venceu o rio Aquelos, além de outras aventuras.

Já senhor de si, Hércules passou a correr o mundo , punindo os prepotentes e os malvados. Suas numerosas proezas lhe haviam granjeado uma enorme fama, tanto  na terra como no Olimpo , mansão dos Deuses. Quando resolveu casar-se, escolheu a mais bela e mais bondosa das princesas: Dejanira, filha de Eneu, rei de Calidon. Celebradas as núpcias, os noivos  seguiram para Tebas. Após alguns dias de viagem, pararam junto às margens do rio Eveno, que tranbordara devido as fortes chuvas  recentes, e pediram o auxílio do centauro Nesso, que ali desempenhavam as funções de atravessador. Em primeiro lugar, passou Dejanira, que se agarrou às largas costas do centauro, mas este, improvisadamente apaixonado por ela, ao chegar  à outra margem, sacudiu água de cima de si e partiu a galope. Mas Hércules velava: seu arco funcionou fulmíneo, com um tremendo silvo, e o raptor tombou num lago de sangue, varado por um flecha. Antes de morrer, porém, Nesso murmurou a Dejanira: "Banha tua túnica em meu sangue, princesa;e se algum dia duvidares da fidelidade de seu marido, faze com que ele a vista, pois te amará novamente". Dejanira, sem refletir, obedeceu e escondeu a túnica embebida de sangue do moribundo centauro.

Passaram-se muitos anos. Um dia a profecia de Nesso se concretizou e Dejanira, louca de ciúmes, ofereceu ao marido a túnica purpúrea, esperando obter o efeito desejado. Mas assim que a vestiu, Hércules sentiu que a túnica o queimav como uma fogueira: o veneno da Hidra de Lerna, que passara par o sangue do centauro abrasava-lhe a pele. Dritando de dor, sentindo a proximidade da morte, o filho de Alcmena erigiu uma imensa pilha de lenha, subiu ao alto dela e, dizendo adeus à esposa desesperada e aos amigos, expirou , após ele mesmo ter ateado fogo à pira. Já as primeiras línguas de chamas lambiam o corpo exânime dom herói e um irresistível fulgor cegou os olhos dos presentes. Era a alma de Hércules que ascendia ao céu, rumo às glórias do Olimpo, para a companhia dos Deuses